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quarta-feira, 10 de agosto de 2011


Hoje, dia de São Pedro, pescador e apóstolo, falarei de outro Pedro, igualmente humilde e grande: Pedro Casaldáliga, bispo emérito de São Félix do Araguaia, onde vive. Seu anel episcopal é de tucum, seu chapéu é de palha. Pedro é profeta e poeta despojado. Convive agora com o “irmão Parkinson”, como ele diz, franciscanamente, mas mantém a belíssima saúde da fé e da esperança. Nesses tempos de fundamentalismo religioso e de onda conservadora, vale – sobretudo para os mais jovens - conhecer o que Pedro pensa, registrado em entrevista ao blog Movimento Contra a Miséria – MCM, em 15/06/2011.

Caro Pedro, quais foram os acertos dos governos do PT até aqui, e qual sua grande dívida com o Povo Brasileiro?

Com todas as ambigüidades e corrupções, o PT tem facilitado certa presença e atuação do movimento popular, não o tem satanizado, tem exercido uma política exterior bastante correta e tem estimulado a integração latinoamericana, tem promovido políticas sociais de urgência reduzindo a fome e a marginalização. Daqui, da Amazônia, cobramos do Governo do PT três dívidas urgentes: a causa indígena, a reforma agrária e a substituição dos grandes projetos transnacionais por projetos verdadeiramente populares e sustentáveis ecologicamente. O PT não deveria fazer alianças que exigem claudicações. O PT, como toda pessoa e toda entidade que se considerem de esquerda, deve contestar ativamente o capitalismo neoliberal. O inimigo é o sistema.

A teologia da libertação teve impacto no nosso país, principalmente nas comunidades eclesiais de base. Você acredita que ela precisa de uma renovação para se tornar mais acessível aos jovens brasileiros?

A renovação sempre é necessária e a Teologia da Libertação tem-se renovado constantemente, sobretudo assumindo mais explicitamente as identidades étnico-culturais e outras causas que num primeiro momento não eram destacadas: partiu-se da libertação socioeconômica e vem-se abrangendo cada vez mais a libertação integral, holística, da luta contra a fome à vivência da mística. Sempre a verdadeira renovação será voltar mais e mais a Jesus de Nazaré, à sua causa, que é o Reino.

Hoje há um debate na igreja brasileira sobre o tema da homossexualidade, com divisões em relação ao assunto. Qual é seu ponto de vista?

A sexualidade é parte integral da pessoa humana e é, por definição, relação. Vive-se dentro de uma cultura, na história das pessoas e dos povos. Como toda vertente humana, tem sua dimensão ética. Isso faz com que a sexualidade (heterossexualidade, homossexualidade...) seja debate, polêmica, dependendo dos pontos de vista e das situações histórico-culturais. A homossexualidade tem sido estigmatizada, sobretudo na Igreja, e facilmente se tem enfrentado como doença e como vício. Exige-se, na Igreja principalmente, uma revisão a fundo da sexualidade e particularmente da homossexualidade. É uma condição humana que pode e deve responder dignamente à realização da pessoa, com as exigências morais em sociedade e à vivência da fé religiosa.

Os movimentos que visam um Evangelho próspero, financeiramente falando, têm crescido significativamente na América Latina. Como você enxerga este acontecimento?

É só abrir o Evangelho de Jesus de Nazaré e escutar seu coração e sua palavra. Tudo o que seja dinheiro é suspeito. “Não podeis servir a dois senhores”. A evangelização não deve procurar a prosperidade financeira da Igreja, mas a partilha fraterna de todas as filhas e filhos de Deus. Não se deve optar pelo lucro, mas pelos pobres. Não é com a riqueza que a Igreja vai dar testemunho de Jesus. O Evangelho pede sobriedade, despojamento, a favor dessa Humanidade jogada à beira da estrada da exclusão. A Eucaristia é a mesa da partilha fraterna e sororal.

Qual deve ser a posição da Igreja latino americana na sociedade atual diante globalização, de um neoliberalismo que traz um discurso que materializou a felicidade e que a cada dia deixa mais à margem os pobres?

A posição da nossa Igreja só pode ser de profecia que contesta o materialismo neoliberal e anuncia uma sociedade alternativa, esse Outro Mundo Possível que está sendo consigna de tantas pessoas e entidades em toda a Terra. Denunciar a iniquidade do mercado total, do consumismo desenfreado, do lucro excluidor das maiorias. Fazer da Fé cristã luz e força para combater esse sistema de iniqüidade que mata de fome milhões de pessoas da grande família de Deus.

Como você imagina a construção de uma nova alternativa em relação ao sistema que vivemos hoje?

A construção de uma nova sociedade, alternativa à que é imposta hoje ao mundo, é um processo complexo, uma caminhada histórica, não tem uma cartilha pronta em detalhes dentro da plural humanidade. De todo jeito eu só posso imaginar esse processo como socializador: socializar a terra de lavoura e de moradia, socializar a saúde, a educação, a comunicação, as oportunidades para viver ‘o bem viver’ que proclamam os nossos povos originários.

Você acredita que projetos como Belo Monte realmente visam trazer melhorias para o nosso povo ou há outros interesses por trás?

Os projetos como Belo Monte, os chamados ‘grandes projetos’, são projetos do capitalismo neoliberal, do agronegócio depredador, de um progresso que ignora a dignidade e os direitos essenciais das pessoas e dos povos. O único verdadeiramente ‘grande projeto’ é viver em harmonia com a natureza e a serviço da vida digna de todas as pessoas e de todos os povos.

No nosso país, as pessoas que lutam por justiça ainda são “crucificadas”, como no caso de Maria e José no Pará, ou Dorothy Stang. Avisaram o perigo que corriam, mas nada foi feito. A quais meios o povo pode recorrer ou está só nesta luta?

Sempre foi e sempre será um risco a entrega total da própria vida às grandes causas da justiça, da fraternidade, da paz. Nós, os cristãos, sabemos por que Jesus acabou crucificado. Ser profeta é facilmente ser mártir. Aqui, na Prelazia de São Félix do Araguaia, estamos celebrando nos dias 16 e 17 de julho a Romaria dos Mártires de Caminhada; milhares de irmãos e irmãs que foram dando a vida pelas causas do Reino de Deus; que continuam dando a vida, como Dorothy Stang, como o casal José Cláudio e Maria do Espírito Santo. Felizmente o próprio povo tem o seus profetas e, no meio desse sistema de morte que domina no mundo há muita indignação, muita vitalidade alternativa, muita solidariedade; o bem está vencendo o mal; a vida e o amor, dons do Deus do Amor e da Vida, têm a palavra. Porque Deus é Amor, nós somos esperança. A Humanidade não está só, Deus é Deus conosco; sobre tudo com os pobres e com os lutadores. Essa fé, que é esperança, deve ser prática, luta, dia a dia; e deve-se traduzir em outro ‘poder’, ‘outra política’ verdadeiramente popular, sem corrupção, sem disparidades escandalosas, sem impunidade assassina.

Para finalizar, poderia nos deixar algumas palavras?

Palavras que deixo para vocês e que primeiro devo-me dizer a mim mesmo:  a paixão por Jesus Cristo e por sua causa, o Reino; a construção diária de uma convivência verdadeiramente humana, na família, na sociedade, com a natureza, com toda a família de Deus; o compromisso diário com as lutas do povo e na caminhada de uma Igreja sempre mais evangélica, samaritana, ecumênica, que responda ao sonho de Jesus.

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